sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Um assunto chato: "Pimenta, de novo" - Por Luiz Garcia

Repito aqui o artigo do Luiz Garcia no O Globo. Não com o objetivo de mostrar que jornalistas não são corporativos, mas como nosso sistema precisa ser repensado.
Um criminoso, estilo "coroa corno" do Estadão, dá diversos tiros nas costas de uma jovem ex namorada e sai livre rindo da sociedade e dos pais da jovem que ele tirou a vida. Friamente. Cruelmente.

Fico pensando, se um louco resolver matar o Pimenta Neves, a culpa será de quem?






O Globo
5/9/2008

Há assuntos que cansam pela repetição. Insistir neles mostra falta de informação ou de criatividade de quem escreve. Admito estar exposto às duas acusações se volto a falar no caso triste do jornalista Pimenta Neves, o homem que o Judiciário brasileiro não consegue botar na cadeia.

Defendo-me: não é falta de novidades, muito menos de temas mais quentes. Acontece que o caso de Pimenta é especial: deve-se voltar a discuti-lo simplesmente porque, mais uma vez, seus advogados souberam usar características - ou defeitos - do sistema judiciário brasileiro para manter o jornalista em liberdade.

Oito anos atrás, Pimenta - jornalista do primeiro time da imprensa paulista - matou, com tiros na cabeça e nas costas, uma namorada, 30 anos mais nova que ele. Ela anunciara o fim do romance, ele marcou um encontro num haras em Ibiúna e a fuzilou.

Apesar de uma quantidade de provas e de testemunhas, o caso tramitou na Justiça paulista com lentidão exasperante. Pimenta sempre teve advogados hábeis e imaginosos. Não era possível evitar a condenação, mas eles conseguiram que o réu não passasse mais de alguns meses na prisão, e sob o regime camarada que o sistema reserva a réus com diploma e dinheiro.

Agora, no Superior Tribunal de Justiça, a defesa tentou anular a condenação pela Justiça de São Paulo a 18 anos de prisão. Um detalhe é significativo: o juiz singular o condenara a 19 anos de reclusão, e o Tribunal de Justiça cortara um ano da pena porque Pimenta confessara espontaneamente o crime. Leigos têm direito a estranhar: que valor, que mérito tem essa espontaneidade, quando o crime foi cometido à luz do dia, na frente de testemunhas? Mas é a diferença que faz um advogado esperto e bem pago.

No capítulo desta semana da triste novela, o STJ cortou três anos da sentença. Os ministros acharam que o juiz paulista exagerou na avaliação do trauma causado pelo homicídio na família da namorada.

Não dá para discutir: avaliações do sofrimento alheio são sempre subjetivas. E esse não é dado mais relevante nessa tragédia sem desfecho. O que realmente faz diferença é o fato de que Pimenta ainda não vai para a cadeia. Só quando se esgotarem todas as possibilidades de recurso.

Pode-se prever que, com a sua pauta pesada, o Supremo Tribunal Federal não vai julgar o caso tão cedo. Bons advogados podem garantir isso. E, é preciso convir, um réu de 71 anos talvez não disponha de 17 anos para oferecer ao sistema penal.

Certamente o caso tem algumas características excepcionais. Crimes de paixão executados com frio planejamento são raros nas camadas mais rarefeitas da sociedade brasileira.

O caso de Pimenta certamente não estimulou imitadores. Mas não é pelas circunstâncias do crime que ele desperta atenção especial. Mas sim pelo fato inegável de ser exemplo eloqüente da fragilidade do sistema jurídico em face da estratégia da postergação.

O problema todo está na idéia do direito à liberdade até a condenação final. Pareceria mais justo admitir esse privilégio em circunstâncias excepcionais, claramente justificadas. Mas não, por exemplo, quando um cavalheiro matou premeditadamente e pelas costas alguém que ferira apenas o seu orgulho de macho.

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