Um criminoso, estilo "coroa corno" do Estadão, dá diversos tiros nas costas de uma jovem ex namorada e sai livre rindo da sociedade e dos pais da jovem que ele tirou a vida. Friamente. Cruelmente.
Fico pensando, se um louco resolver matar o Pimenta Neves, a culpa será de quem?
O Globo |
5/9/2008 |
Há assuntos que cansam pela repetição. Insistir neles mostra falta de informação ou de criatividade de quem escreve. Admito estar exposto às duas acusações se volto a falar no caso triste do jornalista Pimenta Neves, o homem que o Judiciário brasileiro não consegue botar na cadeia. Defendo-me: não é falta de novidades, muito menos de temas mais quentes. Acontece que o caso de Pimenta é especial: deve-se voltar a discuti-lo simplesmente porque, mais uma vez, seus advogados souberam usar características - ou defeitos - do sistema judiciário brasileiro para manter o jornalista em liberdade. Oito anos atrás, Pimenta - jornalista do primeiro time da imprensa paulista - matou, com tiros na cabeça e nas costas, uma namorada, 30 anos mais nova que ele. Ela anunciara o fim do romance, ele marcou um encontro num haras em Ibiúna e a fuzilou. Apesar de uma quantidade de provas e de testemunhas, o caso tramitou na Justiça paulista com lentidão exasperante. Pimenta sempre teve advogados hábeis e imaginosos. Não era possível evitar a condenação, mas eles conseguiram que o réu não passasse mais de alguns meses na prisão, e sob o regime camarada que o sistema reserva a réus com diploma e dinheiro. Agora, no Superior Tribunal de Justiça, a defesa tentou anular a condenação pela Justiça de São Paulo a 18 anos de prisão. Um detalhe é significativo: o juiz singular o condenara a 19 anos de reclusão, e o Tribunal de Justiça cortara um ano da pena porque Pimenta confessara espontaneamente o crime. Leigos têm direito a estranhar: que valor, que mérito tem essa espontaneidade, quando o crime foi cometido à luz do dia, na frente de testemunhas? Mas é a diferença que faz um advogado esperto e bem pago. No capítulo desta semana da triste novela, o STJ cortou três anos da sentença. Os ministros acharam que o juiz paulista exagerou na avaliação do trauma causado pelo homicídio na família da namorada. Não dá para discutir: avaliações do sofrimento alheio são sempre subjetivas. E esse não é dado mais relevante nessa tragédia sem desfecho. O que realmente faz diferença é o fato de que Pimenta ainda não vai para a cadeia. Só quando se esgotarem todas as possibilidades de recurso. Pode-se prever que, com a sua pauta pesada, o Supremo Tribunal Federal não vai julgar o caso tão cedo. Bons advogados podem garantir isso. E, é preciso convir, um réu de 71 anos talvez não disponha de 17 anos para oferecer ao sistema penal. Certamente o caso tem algumas características excepcionais. Crimes de paixão executados com frio planejamento são raros nas camadas mais rarefeitas da sociedade brasileira. O caso de Pimenta certamente não estimulou imitadores. Mas não é pelas circunstâncias do crime que ele desperta atenção especial. Mas sim pelo fato inegável de ser exemplo eloqüente da fragilidade do sistema jurídico em face da estratégia da postergação. O problema todo está na idéia do direito à liberdade até a condenação final. Pareceria mais justo admitir esse privilégio em circunstâncias excepcionais, claramente justificadas. Mas não, por exemplo, quando um cavalheiro matou premeditadamente e pelas costas alguém que ferira apenas o seu orgulho de macho. |
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